O amor e o narcisismo
Com a evolução das sociedades ditas evoluídas, tenho vindo a assistir a uma super-valorização do ego. As revistas femininas não só apelam aos orgasmos múltiplos das mulheres como fazem-nas exigir o máximo prazer aos parceiros. As revistas masculinas sobrevalorizam corpos perfeitos de mulheres que cada homem também deverá exigir às parceiras para o seu próprio prazer. Dá-se voz às minorias de forma tão radical, que as maiorias quase se sentem mal por existirem. A rádio e a televisão apelam ao sobre-consumo, à felicidade total graças ao dinheiro, ao poder, ao narcisismo total do eu.
Isto preocupa-me. Há cada vez menos lugar para o outro na vida de cada um. Há cada vez menos espaço para se ouvir e cada vez mais para falar. Exige-se tudo dos outros para satisfazer os próprios prazeres e fica-se fechado às necessidades dos outros. Os casais discutem porque em vez de conversar monologam. Ficam surdos ao outro, não querem ceder nem um milímetro do que querem mesmo sabendo que isso pode fazer o outro feliz e não custa assim tanto fazer a vontade. Os pais não têm tempo para os filhos porque precisam de ganhar muito dinheiro para comprar a tonelada de coisas que eles pedem. Os filhos tornam-se uns ditadores em tamanho pequeno porque não são ensinados a ter a perspectiva de uma terceira pessoa, centrando-se apenas em si próprios.
Onde foi parar o espírito de grupo? O ser-se feliz a partilhar? Será que as pessoas já não gostam de dar porque precisam assim tanto de receber? Será que essa necessidade tão premente de receber atenção dos outros não será uma desculpa para não nos descentrarmos de nós próprios e permanecermos eternamente crianças mimadas? Será que a auto-estima de cada um não melhoraria se fôssemos capazes de admirar mais em vez de sermos admirados, de contemplar mais em vez de sermos olhados, de ouvir mais em vez de sermos falados, de amar mais em vez de sermos amados?
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