Amorizade

Amor + Amizade – Termo de Luandino Vieira

Plano Nacional de Leitura 02/06/2006

Filed under: leituras — jacky @ 12:06 am

Um professor de Português é um burro carregado de livros, digo eu.

Na escola do filhote, não pode haver biblioteca escolar porque já há uma a x metros e não pode haver duas num raio de x metros, fantástico não é? Conclusão, eu tenho mais livros que a escola do meu filho! Viva o Plano Nacional de Leitura!

Já dei aulas em colégios particulares (onde era preciso tirar um curso para se preencher formulários para se pedir a compra dum livro, mas havia livros). Já dei aulas numa escola secundária, onde os livros eram fechados à chave na sala dos professores porque os livros desapareciam. Já dei aulas em escolas onde as bibliotecas eram tão acessíveis (em salas longínquas, fechadas e escuras, com um silêncio sepulcral) aos miudos que estavam sempre vazias! Viva o Plano Nacional de Leitura!

Ultimamente, dei e ainda dou aulas em escolas profissionais e nenhuma delas tinha livros, no máximo dos máximos, uns maus dicionários… Conclusão? Se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé e tornei-me num burro carregado de livros! Viva o Plano Nacional de Leitura, os futuros profissionais não precisam de ler!

Todos os anos, os miudos dizem-me que não gostam de ler, mas eu provo-lhes sempre que não é verdade! O que eles não gostam de ler são livros impostos, de autores distantes deles, calhamaços assustadores. Eles gostam que eu lhes leia histórias. Não gostam de ler alto porque têm receio de serem gozados pelos outros. Eles gostam que eu lhes explique o que leio, porque nem sempre têm «bagagem cultural» para fazer intertextualidade e compreender o subtexto.

Tenho imensos livrinhos de citações, adivinhas, provérbios, curiosidades que eles devoram. Tenho livros de poesia que eles lêem devagar e ficam a sorver a beleza das palavras. Às vezes, adormecem quando eu lhes conto histórias, porque andam cansados e a minha voz embrulha a vigília em sonhos. Ando sempre carregada com livros, revistas e jornais. fazemos actividades sobre temas que gostam.

Faço-os estudar gramática com jogos e desenvolvo-lhes o vocabulário com sopas de letras temáticas que eu própria crio, porque na escola onde estou a dar aulas agora, tiram fotocópias a tudo o que eu quiser (sem eu ter que preencher dúzias de requerimentos entre os quais alguns devem ser para o presidente da república)….

Faço-os cantar com letras portuguesas de músicas de que eles gostam (estou sempre acessível a aprender com eles), misturadas com outras de que eu gosto, porque eu ando sempre com o portátil, as colunas e variados cds às costas para eles ouvirem!

Empresto-lhes todos os livros que eles me pedem e eles devolvem sempre, religiosamente! E todas as aulas, lá ando eu com os prontuários, os dicionários e textos/poemas que imprimo para eles lerem. E assim me tornei numa BURRA CARREGADA DE LIVROS QUE EU COMPREI TODOS DO MEU BOLSO! Sou a minha própria biblioteca itinerante, uma contadora de histórias e não o devo ao Estado Português nem ao Plano Nacional de Leitura!…

Tenho realmente que me rir com estes planos de leitura… Bastava haver tempo para que os professores pudessem ler sem terem de cumprir quilometragens de programas. Bastava um tapete e umas almofadas onde pudessem estar sentados, deitados, como se estar a ouvir uma história fosse confortável. Bastava pouca coisa… talvez livros nas escolas! Que tal começarem por abolir essa treta dos x metros entre bibliotecas e todas as escolas SEM EXCEPÇÃO terem direito a livros?

 

28 Responses to “Plano Nacional de Leitura”

  1. wind Says:

    Grande post e grande professora que és! Nem comento mais. Já escreveste e ironizaste tudo! Muito bem .) clap clap clap : D

  2. Alegrão Says:

    Se estivéssemos à espera do Estado, este país não progredia. O pior é que professores como tu são uma minoria e ainda por cima o Estado deixa-os de fora, preferem fazer mais uma propaganda com um nome pomposo “Plano Nacional de Leitura”.
    Beijinho

  3. Parabéns por seres uma professora empenhada em motivar os alunos com criatividade! Quanto às críticas que fazes, acho que tens muita razão. Não é com medidas como esta do Plano Nacional de Leitura, que parecem traçadas num gabinete bem afastado da realidade, que se vai a lado nenhum.

    BOM FIM DE SEMANA!
    Beijinhos

  4. MC Says:

    Nada a acrescentar, plenamente de acordo, se todos os professores fossem interessados e empenhados como tu com os alunos certamente não estariamos no fim da cauda pelos no que diz respeita a litracia…mas é isto é o nosso “Sui generis” País no seu melhor.

    Beijinhos

  5. Não é sempre assim, felizmente.
    Na escola onde estou, uma secundária, é verdade que os livros estão na biblioteca fechados à chave, mas estão acessíveis aos alunos. Não é um bom exemplo.

    Na escola onde estava antes, uma eb23, havia uma biblioteca que pertence à rede de bibliotecas. Livros e revistas havia muitos, em prateleiras espalhadas no meio da biblioteca por onde os alunos se movimentavam à vontade. Cadeiras, mesas e sofás para eles estarem a ler/trabalhar sossegados também havia à vontade.
    A biblioteca é, desde há muito, um dos locais mais movimentados na escola, sobretudo em tempo de chuva.
    É verdade que os computadores e os jogos também os atraem, mas não é só isso… os livros são mexidos, não estão novinhos numa prateleira.
    É um bom exemplo a seguir.
    Enquanto as escolas não forem todas assim, lá terão os professores de fazer como tu, carregar os livros para todo o lado…

  6. Gotinha Says:

    A tua experiência é elucidativa do estado das coisas!

  7. Jacky, mandou uma cópia ao presidente? Manda!

    Um abraço

  8. lyra Says:

    CLAP CLAP CLAP CLAP!!!
    (Ergo-me e aplaudo)

  9. Teresa Says:

    Para contrariar a lusitana tendência para criticar o que está mal e esquecer-se de procurar o que está bem, venho só dizer que seria bom se os professores começassem a partilhar cada vez mais exemplos de boas práticas. Eu dou aulas num sítio que tem um projecto como este:

    http://crelorosae.no.sapo.pt/

    Como este, há muitos mais e nunca se ouve falar. Há professores que lutam contra o estado de coisas, que fazem projectos, os apresentam a concurso, os dinamizam e dão a outros professores melhores condições para fazer o seu trabalho.

    professores deste país, pegai nas luvas de pelica e dai uma bofetada a quem a merece dando a conhecer à sociedade o que de bom fazeis!

    Juro que tenho vontade de ligar para a TVI ou para a SIC, ou RTP…

  10. São Rosas Says:

    Posso inscrever as minhas filhas nas tuas aulas?
    😉

  11. João P. Says:

    Olá:

    Começo por dizer que adorei o teu post.Honestamente.
    Só que vejo as coisas de um prisma diferente. Acho que é exactamente, pelo que tu dizes, que é necessário um Plano Nacional de Leitura.
    Não para que te digam o que deves fazer, pois já o fazes de forma BRILHANTE, direi eu, mas para que te dêem as condições para que continues a poder fazê-lo.

    É preciso “sensibilizar” quem dirige para esssas questões que tu levantas: Formulários, armários fechados, dificuldades, obstáculos, os sim, mas…, os “nunca se fez assim”, os “não vai resultar”, todos os malditos obstáculos que nos levantam só para que mudemos uma cadeira de um lado para o outro da sala.
    Acho que se pode fazer bem, sem grandes condições e não espero do Plano Nacional de Leitura essas condições,mas ao menos espero é que alertem as consciências adormecidas, que nos permitam abrir as portas das estantes, que nos façam evitar os formulários.
    Pois,o que é lindo nisto tudo é que os miúdos até adoram ler, mas nem sempre as propostas, condições, ambiente envolvente são os melhores…
    Lá por onde trabalho e ensino, tentamos, desde há 3/4 anos desenvolver um PROGRAMA, articulado de promoção da leitura… é um dois eixos do nosso PEE. Pois mais do que actividades soltas e desconexas é preciso apontar para algo de mais estruturado e organizado. Temos tido bons resultados, devido ao trabalho articulado, colaborativo e em equipa… é a tal ideia, ingénua(?) de remarmos para o mesmo lado.
    é tudo fácil? não, não é. Por vezes também me sinto o tal burro carregado de livros, tais os impecilhos que vão surgindo e bloquando o trabalho… Mas, isto vai.
    Admiro-te, não desistas, mas não “batas” já em algo que até te pode abrir algumas portas… Não esperes dinheiro, livros, mas… Se os CE, os burocratas, os emperra, os sei lá que mais, deixarem de te chatear, já valeu por isso!

    Se queres dá uma espreitada ao nosso trabalho, mas não te iludas muito. O meu antigo Presidente do CE, costumava dizer que a minha Escola é a melhor… da minha rua, pois lá não há mais nenhuma. Também lutamos, quotidianamente, contra a falta de dinheiro, aqueles que só levantam problemas, aqueles que acham que o preenchimento de impressos é mais importante que deixar os meninos irem falar com um escritor que tinha acabado de chegar à escola… (se calhar estou a ser injusto, mas tinha que dizer isto em qualquer lado!)

    Ah! que fique claro, se fores dar uma espreitadela, que só em equipa se consegue fazer um pouco mais que nada.

    Abraço e bom trabalho
    João P.
    Coordenador do Centro de Recursos Educativos Lorosae da EBI da Charneca de Caparica
    http://crelorosae.no.sapo.pt

  12. João P. Says:

    Olá outra vez:

    Não resisti…
    Como, se calhar sou muito ingénuo, aqui te envio um link com as ideias chave do Plano Nacional de Leitura

    http://www.rbe.min-edu.pt/

    Se servir para ao menos aqueles “anõezinhos” que têm medo dos que trabalham e dos fazem qualquer coisa pela leitura, se possam manter muito quietinhos,já ajudou

    Abraço e até senpre
    João P.

  13. Isabel B Says:

    Olá

    Estou de acordo com algumas intervenções de que é fundamental que se faça uma divulgação das boas práticas. Também muito tempo fui, como tu, um burro carregado de livros. Continuo a sê-lo, só que agora nem sempre levo os livros de casa. Levo-os da biblioteca da minha escola. E, se às vezes ainda os levo de casa é só para mostrar aos alunos de que é mesmo possível ler e ter aqueles livros todos que lhes estou a sugerir e que se o faço é por já os li mesmo. Portanto, o problema não é o PNL. Este é preciso para ter bibliotecas que não estejam fechadas à chave, em sítios escuros e de acessos intransponíveis. Já há em Portugal boas bibliotecas escolares. Quanto à regra que referes (dos x metros), essa regra aplica-se a que escolas? Ao lado da minha há outra escola, com outra biblioteca. Também te digo que entre escolas do 1º ciclo, com escolas mãe, há boas práticas de partilha de colecções e de constituição específica de colecções para as escolas que não têm BE. Sublinho: não é o PLN que está mal. O que está mal é não existirem mais professores empenhados e boas práticas. O que está mal é não sabermos usar os instrumentos que são colocados ao nosso dispor e não sabermos divulgar aquilo que de bom se faz nas nossas escolas.
    Isabel

  14. jacky Says:

    Com esta posta, não queria criticar apenas o que está mal, nem queria ser modelo para ninguém, apenas falei da minha prática profissional, da minha experiência e das minhas dificuldades. Queria apenas partilhar de como tenho dado a volta às coisas. Queria apenas explicar como este país se debate em burocracias, em papeladas e de como é difícil fazer-se algo de forma espontânea ou até mesmo organizada que não dure anos.

    Fiquei muito feliz de saber das práticas dos meus colegas e de saber que há projectos que estão a ser postos em prática, como nesta escola da Charneca da Caparica e que não tem sido devidamente publicitada e acredito que muitas escolas e professores também trabalham no sentido de mudar as coisas.

    Não sei sinceramente se o PNL é bom ou é mau (ainda não o li de uma ponta à outra), a verdade é que não vejo grandes resultados. Por exemplo, dou aulas ha 4 anos em escolas profissionais e gostava de saber se esse PNL também se aplica a estas escolas (sinceramente duvido).

    O que eu sei é que também é difícil desenvolver projectos se os professores andam quase sempre a passear de escola em escola, se a nossa profissão está cada vez mais a ser enxovalhada por todos, e que somos a classe profissional com mais casos de esgotamentos e burn-out! Infelizmente vejo que cada vez mais as pessoas que valem a pena estão a desmoralizar e a desistir; se calhar, estou integrada neste grupo. Estou cansada de tanta instabilidade e de incompreensão…

  15. cc Says:

    Mas o PNL não era a Programação Neuro Linguistica???… se calhar é isto que o pessoal mesmo precisa, reprogramar as suas cabeças ehehehehe

  16. jacky Says:

    cc, programação neuro linguística também é precisa 🙂

    Queria só acrescentar aqui que muito agradeço à Gotinha ter linkado esta minha posta, pois se se tornou a minha mais lida de sempre, foi graças a ela. Na verdade, como o texto era longo, pensei que ia passar despercebido, num blogue que se quer divertido 🙂 Bigada Gotinha!

  17. João P. Says:

    Olá jacky

    Só volto ao tema, porque o achei bem interessante…
    Akguns esclarecimentos:
    1 – O PNL foi lançado dia 31 de Maio e irá para o terrreno no próximo ano lectivo. Resultados? não esperes milagres e, deves saber melhor que eu,pois não ensino a língua Portuguesa, que a promoção da leitura não se faz num dia, nem num ano lectivo. Deve ser um projecto a longo prazo (Projecto pressupõe articulação + longo prazo).

    2 – Também acho que´e difícil desenvolver projectos, pois para além de andarmos carregados de livros, por vezes, temos os outros, a carregar-nos a “nossa paciência”

    3 – Mas, eu pessoalmente, detesto ver as coisas pelo prisma dos problemas e das dificuldades. É a tal his´toria do copo meio cheio ou meio vazio. Para mim, na promoção da leitura e naquilo que imagino que fazes o copo JÁ está meio cheio. Agora é continuar.

    Bom trabalho

  18. bombocaa Says:

    Ainda bem que ainda há professores como tu. Parabéns!

  19. Isabel B Says:

    Olá
    Não conhecia este blog e agradeço ao João P a sua divulgação. Espero que continues a protestar, pois é bom que se divulgue o que de bom se faz nas nossas escolas, mas também que se critique, e muito, o que de mau se faz (ou não se faz). Quanto ao enxovalho, acho que só há uma forma de ultrapassar isso: continuar a fazer um bom trabalho. Os alunos reconhecem e agradecem e, às vezes, os pais também.
    Isabel B

  20. pandora Says:

    eu li no dia mas não tive tempo de comentar… o meu pai está malzinho 😦

    mas não queria deixar de te dizer que é com exemplos destes que a maluca da ministra devia levar nas trombas… não era má ideia enviar-lhe este teu post!

    bjito, fofa!

  21. João P. Says:

    Olá:
    Isto está-se a tornar obsessivo.
    Só te queria dizer que não há aqui um complot da EBI da Charneca de Caparica.
    A Isabel B., pessoa que muito estimo e admiro, é apenas uma companheira de jornada que trabalha lá para o centro do País.

    é só para que fique claro que isto dos livros é assunto que muito mexe connosco e que lhe queremoas bem, mas bem mesmo.

    Fica bem
    João P.

  22. Carlos Says:

    PARABÉNS!!

    Mais vale uma «burra carregada de livros» do que um «cavalo com as costas direitas»!!

  23. Gotinha Says:

    Esta imagem é a tua cara!

  24. Luisa Filipe Says:

    Colega:
    Parabéns! Gostei muito de ler o teu testemunho e faço minhas as tuas palavras. Não é com as boas intenções do nosso e outros ministérios que lá iremos (à promoção da leitura) É com o teu trabalho e de outros e outras como tu que o livro e a leitura podem e devem ser promovidos. Passa também e cada vez mais por boas Bibliotecas Escolares empenhadas em promover a leitura. Só queria dizer que tal como tu sou uma professora de LP e enquanto fui coordenadora de uma Biblioteca Escolar empenhei-me imenso num projecto que chamámos Baús Pedagógicos/a hora do Conto e eu dispunha de várias horas para ir carregada de livros e de histórias, aos Jardins de Infância e às Escolas do 1º Ciclo do meu concelho (Vila Velha de Ródão)para que esses alunos tivessem acesso aos livros às histórias. Tivemos o apoio da Gulbenkian e da autarquia e conseguimos maravilhas. Foi um prazer para mim fazer tal trabalho e só graças a estas pequenas gotas no oceano se conseguirá inverter a tendência de estarmos na cauda do pelotão no que toca à leitura e literacia.
    Luisa F.

  25. jacky Says:

    Obrigada de novo João P e Isabel B 🙂 Fico contente por saber que há colegas que lutam para alterar o estado das coisas

    Também gostei muito de conhecer a experiência da Luisa. Biblioteca itinerantes são uma aventura!

    Obrigada bombocaa e Carlos, como puderam ler nos comentários não sou a única!

    As melhoras do teu pai, Pandora!

    E Gotinha, adorei a foto. Hei-de publicá-la com outro texto sobre a leitura, obrigada! 🙂

  26. […] De quando em vez a Jacky dá-lhe para escrever sobre coisas sérias e o mais curioso é que se sai tão bem como noutros assuntos que se entendeu rotular de menos sérios. A ler “Plano Nacional de Leitura” e reflectir, talvez, que às vezes, muitas, em calhando, as boas intenções gerais esbarram em inverosímeis impossibilidades locais. […]

  27. Umbelino Neto - Brasil Says:

    Achei que poderia ser interessante dizer que tal situação em Portugal, da leitura, das escolas e das bibliotecas, que você relata, Jacky, não é muito diferente do que ocorre no Brasil… Aqui também, talvez até pior, os professores de Língua Portuguesa e Literatura enfrentam esses problemas, e também são uma das profissões mais desvalorizadas que há… O Governo aqui preocupa-se sobretudo com o investimento em grandes empresas, é a Economia que controla a Política, e não o contrário… acho que é um dos reflexos do Capitalismo no qual estamos inseridos. Paciência e mãos à obra pois, como se diz, uma boa ação nunca se perde!

  28. […] é que se sai tão bem como noutros assuntos que se entendeu rotular de menos sérios. A ler «Plano Nacional de Leitura» e reflectir, talvez, que às vezes, muitas, em calhando, as boas intenções gerais esbarram em […]


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