Amorizade

Amor + Amizade – Termo de Luandino Vieira

Afinidades 13/05/2006

Filed under: emoções — jacky @ 10:52 am

AVISO: Esta Posta é saudosista  e destina-se aos cotas trintões/quarentões ou para todos os que tiverem pachorra de ler testamentos! 

On est plus le fils de son époque que le fils de son père.

Proverbe Africain

Quando eu tinha 6 anos (1974), todos os meus amiguinhos da escola (em Paris) tinham televisão a cores, menos eu. Chamei radin ao meu pai e ele lá foi comprar uma. Via os desenhos animados das 17h30 às 18h30. Se perdesse um episódio, azar. Hoje, há ecrãs plasma, LCDs, televisão por cabo e por satélite, 300 canais, canais só de desenhos animados, videos, leitores e gravadores de DVDs, filmes em formato divX e o diabo A4.

Não tinha telefone em casa. Quando queríamos ligar aos nossos familiares de Portugal, íamos à cabine com moedas que se juntavam durante a semana. Agora cada um de nós tem telefone sem fios fixo, vários telemóveis com cartões de todas as redes, internet, skype, msn, icq e coisotalking…

Eu tinha um papa-discos onde enfiava até à exaustão (dos ouvidos dos meus pais) meia dúzia de discos em vinil de 45 rotações. Cheguei a ter um walkman de cassetes que gravava cheias de cortes de canções de rádio em que os locutores faziam de propósito de falar mesmo antes do fim da música. Agora há leitores e gravadores de cds, leitores de mp3 e outros formatos que desconheço e nem me apetece saber.

Não havia shoppings. Tinha de ir para a rua de Cedofeita ou de Santa Catarina ver as montras, entrar e sair das lojas até comprar umas roupas que estavam desfasadas da moda pelo menos uns 10 anos. Hoje, há zaras, bershkas, a massificação das roupas e o estatuto das marcas.

Tive as minhas primeiras sapatilhas em condições aos 16 anos, que o meu pai trouxe de Paris. Depois das coisas que imitavam sapatilhas, parecia que andava sobre as nuvens. Eram adidas stan smith. Um dia no balneário da escola, roubaram-mas. Agora, há sapatilhas nikewoman, surfcoiso, chut-tralha e até com rodinhas para se deslizar no shopping enquanto se anda nas compras.

Para estudar, tinha de estacionar na biblioteca da escola porque as fotocópias eram caras e demoradas e tínhamos de passar tudo dos livros para os cadernos. Agora há internet, enciclopédias multimédia, fotocópias a cores e digitalizações.

Não havia concertos no Porto. No máximo dos máximos, um ou outro cantor no Coliseu. Ou então íamos ao sábado à noite ou ao domingo à tarde, para o fantabulástico, palco multifuncional (uns andaimes com umas tábuas onde estávamos sentados) ver os cantores nacionais, que na altura ainda não eram pimba. Quando vieram os Duran Duran ao pavilhão Infante Sagres nos anos 80, a parvónia desmaiou e ficou em estado de coma durante meses. Agora há concertos todos os meses, pedregulhos da música, dvds musicaise sei lá que mais.

Apanhava o eléctrico 3 para ir para a Boavista e demorava 20mn ou mais para chegar à escola. Ou então ia no autocarro 52, apinhado de gente, que usava o desodorizante nacional aromatizado em alho ou com hálito de pequeno almoço de café mergulhado em aguardente ou directamente em vinhaça rasca. Hoje, vai-se de carro para todo o lado. Não se anda a pé, que fazer 500m até ao café é doloroso e os putos estão sempre cansados.

Escrevia cartas para os meus correspondentes de todos os continentes e as cartas chegavam a demorar dias e semanas até chegarem. Ficava numa felicidade quando alguma vinha com um pequeno presente lá dentro. Ia aos correios escolher selos «dos bonitos» para colar em envelopes decorados por mim. Mandava postais que comprava nas papelarias ou que fazia em casa pelos aniversários e pelo natal. Agora, trocam-se forwards de emails e ecards em massa.

Estava sempre a pedir à minha mãe para me deixar brincar na rua com os meus amigos do bairro. Jogávamos às caçadinhas, às escondidinhas, ao verdade e consequência e caiste ao poço e muitos outros jogos. Ficava a ver os velhotes a jogar ao malha e baterem umas cartas de sueca em cima dumas mesas cromadas de campismo. Agora, há o msn com as webcams e os telemóveis com videochamadas.

Comia moletes que a padeira deixava na saca do pão que ficava pendurada na porta de noite e que eram pagos no fim do mês. Os bifes pareciam solas de sapatos. Ah! E os sapatos não tinham sola de borracha e era preciso ir ao sapateiro mudar as capas porque não havia dinheiro para se comprar 300 pares de todas as cores. Em Portugal, não havia Nutella e lá tive de me resignar a barrar o pão com tulicreme e planta (eu como planta de manhã, à tarde e à noite, antes e depois das refeições, eu sou uma LAMBONA! dizia a publicidade). Ia-se às compras à mercearia e à feira. Agora há prateleiras e prateleiras e prateleiras de coisas que nunca mais acabam para enchermos os carrinhos dos hipermercados.

(continua conforme me for lembrando que agora tenho de fazer de motorista para o filhote)

E contudo, com tanta coisa, sendo filhas da tecnologia e não do tempo lento do início do século, não me parece que as pessoas sejam mais felizes…

 

13 Responses to “Afinidades”

  1. zeca da nau Says:

    Bem pelo contrário minha amiga, bem pelo contrário.

    Um @bração do
    Zeca da Nau

  2. wind Says:

    Tens todaa razão.

  3. LL Says:

    GOSTEI D LER ESTE TEXTO

  4. nanipinto Says:

    A realização do desejo é o que nos dá felicidade… hoje em dia a realização vem antes de haver desejo…

  5. Marian Says:

    Têm mais variedade… o sucesso -ou não, fica por conta da capacidade de escolha entre tanta oferta!
    Gosto mais dos tempos actuais.

  6. jacky Says:

    É assim: eu sou saudosista q.b. Gosto de recordar os tempos antigos felizes em que fui feliz e alguns momentos caricatos, mas vivo no presente! Também não queria voltar atrás no tempo, gosto mais do tempo actual. Esta posta apenas se destina a reflectir sobre se as pessoas são mais felizes agora com tanta coisa ou não…

  7. cc Says:

    …mas estamos mais inteligentes lol porque os enredos dos filmes e series são mais complexos, Dallas e Dinasty eram básicos, os jogos de computador exercita a tomada de decisões, temos os Blogs que permite que conhecemos muito mais pessoas em todo o mundo… apesar da nossa inteligência intelectual ter aumentado … para ser feliz é preciso que a outra … a inteligência emocional seja alta e aí n ha tecnologia que nos valha, a inteligência emocional permite-nos criar laços afectivos reais e nao virtuais com as pessoas, sociabilizar mais, permite desligar e dar descanso ao nosso cerebro de tantas solicitações permitindo um bom e reparador sono, em suma permite gerir as emoções neste turbilhão de luzes e emoções, e só assim seremos felizes lol …pronto neste post concordo contigo…apensar de TERmos mais, SENTIRmo-nos menos …felizes

  8. jacky Says:

    ó meu Deus! Estou em choque! O CC a concordar comigo! Isto é um dia memorável 😀

  9. pandora Says:

    eu penso que éramos muito mais felizes! como já se disse, a felicidade consiste em realizar o desejo e hoje nem chegamos a desejar… nem sei bem que adultos estamos a criar, mas pronto, vamos tentando.

  10. MC Says:

    Nem felizes, nem satisfeitas, nem completas, nem realizadas…mas isso que diferença faz num mundo em que todos andam em permanente correria e nervosismo que nem sabem nem tempo têm para saborear ou dar valor a esses promenores e a constante evolução do dia a dia…para elas só existe os bens e o futuro…tudo o resto é passageiro.

    Beijinhos

  11. jacky Says:

    A ver se depois continuo esta posta conforme me for lembrando das coisas…

  12. Bem, isto dava pano para mangas, mas não tenho tempo!
    Por isso vou só lembrar duas ou três coisas.
    Em 1974, não havia TV a cores em Portugal, tivemos de esperar até, para aí, 1978. Eu vi TV a cores pela primeira vez numa viagem a Badajoz (com excepção de umas demonstrações na FIL).
    As cassetes! Ai, tantas que eu gravei e ouvi até à exaustão. Tenho andado a recuperar algumas, ainda hei de fazer um artigo sobre elas.
    Tínhamos telefone em casa, mas alguns anos depois mudámo-nos, e os TLP demoraram uns seis meses a instalar-nos o novo telefone. Até lá, já se sabe… cabine de moedas…
    Acho que não era mais feliz. Também não sei se agora somos mais felizes. A felicidade passa por tantas outras coisas…

    Bjs,

  13. um ponto azul Says:

    Adorei este teu post…e tudo combina com o que também passei há uns atrás..estamos cotas!LOL Mas era mais feliz sim senhora…o mais flagrante para mim era ir numa excursão de vizinhos a Vigo comprar goluseimas e coisas para depois vender cá!Tinha de apresentar o BI na fronteira…havia a ponte dividida a meio Portugal/Espanha…naquele tempo!


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